O actor e o medo


O trabalho do actor constituía para mim um mistério. Enquanto espectadora, sempre me maravilhei com a capacidade de transformação da pessoa em personagem (persona – máscara). Quem conhece pessoalmente alguém com a capacidade de se transfigurar num palco, ao ponto de não reconhecermos a pessoa, saberá a que me refiro. A colocação da máscara é invisível e imediata. No palco não está a pessoa que conhecemos, mas um outro. E isso é fantástico, mas ao mesmo tempo aterrador.

No entanto, desde que trabalho em produção teatral, à medida que vou percebendo os mecanismos por trás dessa magia, os exercícios, os ensaios, o estudo, percebo o que há de complexo e de intenso no trabalho do actor. Não é magia, é muito trabalho e algum talento.

E a emoção, matéria-prima desse trabalho, a verdadeira emoção matriz deste processo, é o medo.

Vejamos algumas declarações de actores, que tenho vindo a recolher:

“No palco sinto-me seguro, embora pareça estar exposto.” – a sensação de segurança versus o medo de exposição.

“Venci a minha timidez no dia-a-dia.” – o medo nos relacionamentos vai sendo atenuado à medida que o actor se expõe em cena.

“Ser outro, ser uma personagem.” – o medo de si é suplantado na medida que se transforma no “outro”. Aí, encontra-se seguro.

“Gosto da adrenalina antes de entrar em cena.” – o medo de falhar, de estar exposto, provoca esta adrenalina, que impulsiona o actor a vencer o próprio medo.

Note-se que o medo não é propriamente algo negativo. É a emoção mais primitiva que carregamos nos genes, desde o período obscuro da vida entre os perigos naturais, dos animais selvagens, das cavernas escuras e frias, do universo totalmente desconhecido. É a emoção que nos permitiu sobreviver. É a emoção que nos fez vencer os perigos, que nos fez criar a luz e as ferramentas de defesa. É emoção que conduz um ser humano a um palco, e o leva a fugir ou o impulsiona a vencer essa mesma emoção.

O medo que sinto de pisar um palco é o mesmo medo que faz com que o actor se entregue à personagem que ali irá nascer.

por Susana Sousa
Produtora do actus